Os sonhos intensificam-se um mês antes da partida: ilhas, baleias, ‘sereias’, e azul, azul, azul… muito azul! Algum stress sente-se nas semanas prévias à partida, ao tentar assegurar que todos os pormenores estão previstos, em ordem, e que não sobram para a ‘última hora’. A angústia do infinito sente-se nos dias e horas pré-partida, quando a ansiedade se transforma no formigueiro que revolve o esterno (a apreensão abrumadora das distâncias extremas e do desconhecido). Os primeiros dois dias no mar serão de apreensão, para conseguir afastar-me da costa e da rota dos grandes navios, para lá do meridiano de longitude 17º. A primeira noite será de exaustão (?) e dúvida entre o sentimento de ‘trabalho cumprido’ e o de ‘ainda podia avançar mais’. As segunda e terceira noites serão de estranheza, pelo afastamento da segurança de terra, e de adaptação à ‘casa’ no novo meio. Simultaneamente, os primeiros 10 dias serão de choque – o choque físico da adaptação do corpo a tamanho castigo de tantas horas a remar em ‘chão’ instável – e deixarão a sensação de que qualquer treino anterior pareça ter sido puro desperdício de tempo! O 15º dia poderá constituir um marco – duas semanas passadas, em 17 -, tal como o 21º dia – a referência do Reiki que diz que a partir desse dia tudo passará a simples rotina; além de que será sinal da aproximação a Cabo Verde. O 30º dia assinalará que um ¼ da viagem foi cumprido. A aproximação ao equador (latitude 0º) far-se-à próximo do 60º dia de viagem, assinalará a ‘metade’ da travessia e exigirá um tributo a Neptuno com a abertura de, pelo menos, uma cerveja para comemorar! As calmarias serão momentos especiais, bem-vindos, tal como o avistamento de peixes de grande porte, e constituirão justificação para ficar assinalados com um ‘z’, de momento zen (segundo o código estabelecido com o Amadeu para o protocolo de comunicação), na cabina do Paraguaçú.
Curto momento zen: http://youtu.be/ZJDAFheRF9Y
Aquela descrição era apenas uma previsão mas, premonitoriamente, anotei na minha agenda a 10 de fevereiro: “tal como na montanha o frio é o principal inimigo, o que te imobiliza, te faz rogar pragas e desejar o paraíso de sol e praia, no mar, possivelmente é o enjoo que adquire este papel”.
De
facto, ao fim de uma semana no mar alto, enviei ao Amadeu a seguinte crónica: "Confirma-se
a 'teoria' de que após os primeiros dias no mar, em especial se for a levar ‘tareia'
e a vomitar, os treinos anteriores e o trabalho de 'engorda' parecem não ter
servido de nada. É como recomeçar de zero. Agora, após pausa para reparações em
Fuerteventura preparo-me para uma etapa de 40 dias". E, nos dias
seguintes, após a paragem em Tarajal, enfatizei essa ideia com as seguintes
palavras:
“Ao chegar a Tarfaya (Marrocos), o Motta disse que
tenho «a melhor cama do mundo»: um colchão de água com quilómetros de
espessura. A fossa abissal de Cabo Verde, na qual estou a entrar, atinge mais
de 4.100 metros de profundidade. São milhões os metros cúbicos de água mas
mesmo assim este colchão não me impede de sentir as dores lombares. Após o mar
picado dos últimos dias já só posso discordar de tal afirmação: penso antes num
chocalho dentro de uma máquina de lavar a roupa sobre o dorso de uma mula
irrequieta (histérica!?) a trotar num caminho de cabras monte abaixo… e com o tipo
do martelo hidráulico a trabalhar ao lado (o som do leme a bater no casco). Nesta
semana conclui também que o 'massacre
nadegal' (expressão do amigo Motta)
não é apenas das nádegas mas também de trapézios, zona lombar, etc.”(continua...)
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